quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A Outra... de Aldir Blanc

A Outra sou eu.
A Outra são as outras que não lembro,
são as outras que não esqueço
- a mãe, a prima, a madrinha...
as que pagaram seu preço
de tanto rodar bolsinha entre a copa e a cozinha.
Você pode ser a Outra.
A Outra dorme em você feito fera enlansguecida;
sono/cheiro de mulher bela, bela adormecida
esperando pelo beijo, não do príncipe encantado
mas de um safado qualquer.
A Outra vive de brisa,
Vive da respiração do Outro,
Que tudo sensibiliza,
Que alivia e que perturba
Porque a Outra se masturba,
Não com o egoísmo de quem é parceira de si mesmo,
Mas com o assombro de quem beija na penumbra
Outro alguém no próprio ombro.
A Outra morre de eclampsia
No auge do sonho, ou não,
- embarca pela manhã
Se a chuva cai fininha,
Pra Veneza, de vapor;
Ou não: ou vai para a casa da vizinha,
De bobs, roupão de flor,
Passar trote cabeludo
Pra esposa de seu amor.

A Outra contrai doença nervosa, ou pneumonia
Suando numa autarquia pelo pão de cada dia,
E o telefone não toca
Com a voz do amante querido:
Fica mudo o telefone- ai, que silêncio agourento!
– o tesão indeferido, feito pedido de aumento.
A Outra se esvai e se rói, faz trejeitos de assassina,
Vai morar em Niterói, se vivia em cocaína.
A Outra aceita ser tudo:
Putinha, Virgem Maria...
Na boca, batom, desgaste
Se misturam na pergunta:
Pai, porque me abandonaste?
E o amante lhe responde:
Mais que nunca libertino,
canalha farto em seu pasto:
- mulher, mas que pai, fui teu padrasto
Tentando ser teu menino.
A Outra é loba romana, Hera, Vênus Calípgia...
A Outra é contemporânea é musa de Tom Jobim.
Ana, Ângela, Luiza...
A Outra é um bicho, um cordeiro,
Uma fera, uma piranha.
A Outra é porque quer,
E ao querê-lo quantas outras abandona,
querendo ser só mulher
Mulher múltipla e divisível, mulher dádiva de si.
A Outra se dá sabendo que não sabe a conseqüência
de ser o inverso do oH!
- Fertório dos altares onde em brancas nuvens noivas
Começam a se dissipar, ao lado do par tão ímpar
Da subida do calvário do amargo lar doce lar

A Outra não é missionária.
Antes, é sacerdotisa de um culto em que se iguala
A tantas outras quando incorpora o que exorciza
- No alarido em que se cala, decidida a duvidar
O próprio peito apunhala.

Há momentos em que a Outra
É um poço de advérbios:
Fuma desbragadamente, bebe copiosamente,
come alucinadamente
Mente comumente.
Como mente!
A Outra, de tanta meia
palavra sussu-ssurada
Quando explode dá bandeira:
Chupa, escancara, palmeia
- de tanto se abrir, se fecha, indo parar no hospital.
Com dor de ovário e distúrbios em seu ciclo menstrual.
Exames complementares, Raio X, tudo pra nada.
A Outra é desenganada pela equipe de plantão.
Coma profundo. Alguém quer desligar o aparelhos,
Mas, vendo a cara da morte nos espelhos da agonia,
A Outra, após visitar o inferno, ressuscita
E suscita num gemido
O nome-nume do Outro bem nas barbas do marido.
A Outra paga o motel, paga o bar do fim de noite,
Paga bebida, cigarro, o vibrador e o açoite,;
A Outra paga bem caro pelo prazer de pagar.
Pagando, dá ao seu ser o que lhe era atirado como um osso.

A Outra se acha suja para a língua do marido
E sente no próprio sexo cheiro de coisa doente,
E, no entanto, pro outro,
grita nomes e abre as pernas até ficarem dormentes.
E se- perdoem! – atrás sempre fez cú doce,
agora mais doce ainda o cú faz
para recuperar o tempo perdido com frescurinha:
“ai, que tristeza eu tinha na aurora da minha vida,
com a repressão que insistia: - na bunada não vadinha”

A mãe da Outra observa:
Você anda diferente...
Ou um filho é quem lhe diz: a mamãe virou feliz!
O marido fala pouco, foge dela, evita o coito
E acalenta a idéia de comprar um trinta e oito.
Só em seu foro intimida a própria imagem no espelho
Palhaço, frouxo, cabrão!
E condenado, esse Jonas,preso na baleia da autocomiseração
Fala em defesa da honra, buscando a absolvição.
A Outra não.
Sendo amada ela não quer ser perdoada.
Jura tomar precaução que é pra ninguém descobrir
Mas conta pra todo mundo:
Transborda seu coração, com o vinho predileto
-e eis a perdição: A Outra não come quieto!
A Outra, dá em si mesma chipões, arranhões sem fim,
E diz: “Foi ele, ciúme. O Outro é louco por mim.”
Você aí não deboche quando esbarrar numa Outra
Que pirou, tomou veneno, que atirou fogo às vestes,
Que abriu o gás, ou nua pulou do décimo andar
E que jaz estatelada, coisa no meio da rua.
Dante de uma tragédia, jamais diga:
“Eu to na minha” porque a outra é Tua!

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